30 de maio de 2014

SEPARAÇÕES


Esta é décima Copa do Mundo que acompanho "pra valer", pois a de 74 só me vem à cabeça em forma de imagens dispersas e a de 70 é de uma época em que não há vestígios de nada na minha memória (antes dos cinco anos de idade).
Assim como muitas pessoas de minha geração, fui da empolgação com o evento na infância e adolescência até o desencanto das últimas edições. No meu caso, as doze badaladas que transformaram a carruagem em abóbora foi a percepção de quanto os interesses financeiros dos organizadores do evento (FIFA, Nike, Coca-Cola, TV Globo etc.) se tornaram mais importantes e determinantes que o esporte em si. A criminosa escalação de Ronaldo Fenômeno em 98, depois do jogador sofrer uma crise nervosa no vestiário, foi uma decisão dos departamentos de marketing que financiavam o atleta, por mais que tentem esconder o sol com a peneira. Quem deveria de fato decidir (a comissão técnica e seu departamento médico), teve que se submeter à desumana lógica dos cifrões. O resultado foi um jogo estranho, uma derrota que poderia ser evitada e a sensação de traição agravada pela recusa da confissão, fato que por si tem o desastroso poder de abrir uma ferida que só aumenta de tamanho até levar o paciente à morte. Pior ainda seria se perdêssemos para sempre um atleta no auge da carreira.
De lá para cá, sempre acompanhei os jogos, futebol ainda é meu grande fascínio em matéria de esportes, mas o afeto e a paixão esfriaram, entraram em crise, a ponto de nos divorciamos - eu e a seleção brasileira. Mesmo com uma tentativa de reconciliação, devido às intervenções do Ronaldo Renascido e de Rivaldo, em 2002, a vaca foi para o brejo, a casa caiu, e foi um pra lá outro pra cá. Confesso que cheguei a desejar sua derrota nas últimas edições, coisa de ex-marido ressentido, fazer o quê?
Mas a seleção não é só minha, há outros 200 milhões de amantes a me substituir e penso, amargamente, que ela sequer sentiu minha falta. Nos últimos encontros com ela, ficava de longe, olhando seus altos e baixos, dizendo para mim mesmo com repugnante despeito: "eles estão se divertindo com ela, mas ela já não é a mesma que conheci, já não tem o brilho e a beleza da minha época, pobres infelizes". A ocasião faz o ladrão, dizem por aí, mas também os canalhas.
A julgar pelo que os meios de comunicação divulgam, a velha amante anda meio abandonada, milhões de namorados viraram subitamente as costas para ela, muitos ameaçam agredi-la quando a encontrarem na rua. Jamais havia imaginado isso.
Mas eu conheço o poder de sedução dessa Vênus de chuteira e meiões. Quem já experimentou o delírio de suas carícias, sabe que não é fácil ignorá-la, ainda mais quando ela ensaia olhares sugerindo a promessa de outros êxtases. 
Para meu espanto, quando pensava que nosso caso já estava para lá de consumado, uma centelha se acendeu, meio que do nada. Coisas que só os velhos apaixonados são capazes de entender, mas não de explicar. 
A sensação que tenho é que a festa nos forçará a ficarmos próximos de novo, e não apenas eu, mas todos nós, amantes distanciados, dançaremos juntos, brindaremos, lembraremos os velhos tempos e seremos felizes, pelo menos por algumas semanas. E pouco ligaremos se o final será, dessa vez, feliz de novo.

8 de maio de 2014

AS CORES DA VIOLÊNCIA

É preciso distinguir A de B. Sempre. 
O linchamento do Guarujá se difere dos milhares que os antecederam na nossa triste e truculenta história devido ao poder midiático de suas imagens se espalharem nas redes sociais sem a filtragem tradicional da antiga imprensa (que não exibia as imagens, e quando o fazia editava as cenas para não chocar tanto, além de não haver - na época pré-web - a possibilidade de se rever a qualquer momento o vídeo). Em vários outros aspectos ele é idêntico aos ocorridos nos anos 20, 40, 60 etc. 
O sadismo que promove o ato do linchamento em si, se espalha agora nas páginas eletrônicas e alimenta uma cultura da perversão em forma de visualizações, curtidas e comentários (sempre espantosos).
As causas desse tipo de violência têm suas raízes no fascismo do senso comum, no desejo de promoção de justiça muitas vezes provocado pela injustiça reinante no cotidiano das massas pobres, na introjeção dos discursos agressivos propagandeados por programas televisivos e radiofônicos, na intolerância de todo tipo devido à baixa promoção do real respeito às diferenças (que é substituído astuciosamente pelo respeito somente a algumas diferenças e em alguns lugares e não a todas e todos) e onde mais se quiser procurar.
Inevitavelmente me vi pensando também sobre outras coisas. Por exemplo, se Fabiane Maria de Jesus fosse preta (termo usado pelo IBGE), choveriam acusações de racismo, sendo que por racismo entendo o ódio manifesto por pessoas de uma raça específica, o que é diferente de preconceito de cor, repulsa a pessoas de determinadas cores, em geral, por tais cores serem associadas a classes econômicas baixas e a moradores de áreas periféricas. Até estranhei o fato de haver poucas acusações de que se trata de um caso de machismo, já que a vítima é uma mulher. O que quero dizer é que reduzir um ato complexo a uma causa única (racismo, machismo etc.) não ajuda em nada a compreender os reais motivos que geraram tal ato e, por conseguinte, não ajuda também na criação de mecanismos de prevenção de futuras violências, uma vez que se atacam causas paralelas e não as centrais. 
Esclarecendo: há racismo e machismo em nossa sociedade, muito mais do que imaginamos. Mas é preciso identificar exatamente onde, quando, como, por que e com quem isto acontece. O uso do raciocínio mecânico e míope das militâncias superficiais, ou seja, daquelas pessoas que transformam lutas históricas e fundamentadas em dogmas obscuros e slogans oportunistas, só faz aumentar as divergências, antagonismos, intolerâncias e isto inevitavelmente descamba em algum tipo de violência.
Outras fabianes virão e a mídia, que tanto parece se indignar com tais fatos, finge-se de desavisada e não assume sua função pública de informar, esclarecer e promover debates civilizados sobre os destinos da sociedade. Talvez o fato de tais atos de violência serem explorados e capitalizados por esta mesma mídia indignada explique o porquê desse incômodo silêncio. 

7 de maio de 2014

A COR DA NOTÍCIA

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO
Os manuais de redação do grandes jornais sempre se preocuparam em zelar por um padrão de linguagem jornalística que fosse ético, civilizado, formal (sem ser pedante) e respeitoso com a variedade de leitores que forma seu público. 
Na era digital, algo novo aconteceu: o número de 'curtidas' e comentários sob as notícias passaram a funcionar como moeda simbólica, ou seja, passaram a ser capitalizadas de tal modo que quanto maior o número de comentários maior o 'sucesso' da publicação e do consequente potencial de merchandising da página. 
A consequência disto foi o fato de que não há qualquer tipo de controle sobre os comentários. Todo tipo de mensagem postada fica lá, para mostrar aos anunciantes o potencial da página. Por este motivo, os comentários viraram o registro mais absurdo, cruel e perigoso do universo da web. Qualquer notícia, a mais banal, é motivo para troca de insultos, para exibição de intolerância, para manifestação de selvageria verbal e ameaças de todo tipo. 
Em nome da 'liberdade de expressão', um eufemismo para 'vale tudo pela audiência', abre-se espaço para uma arena de ódio e violência e cria-se uma cultura da animosidade e do fascismo digital. A imprensa não pode, diante disso, fingir que não tem sua parcela de culpa e de responsabilidade. 
Esta semana fiquei mais surpreso ainda ao ler em uma página da tradicional Folha de São Paulo um parágrafo em que palavrões são registrados na íntegra.
Não cabe aqui discussão sobre o moralismo que determina e reprime o calão, mas é fato que a ética jornalística primava pela sensibilidade moral de seus leitores. 
Agora fica a dúvida: foi um descuido de redação (que poderia substituir a palavra por uma versão cifrada, com aqueles símbolos aleatórios) ou estamos diante de uma nova era do linguajar jornalístico? 
Até o século XX, denominavam-se de marrom ou sensacionalista os jornais que se dirigiam às camadas operárias e às massas urbanas ou os que adotavam o apelo à violência explícita, ao sexismo e à vulgaridade do mundo das celebridades. Será o marrom a cor da imprensa do XXI?

1 de maio de 2014

A POLÍCIA DO PENSAMENTO

Esta semana foi pautada por dois fatos ligados ao preconceito racial: a banana jogada para Daniel Alves e as declarações do executivo da  NBA, Donald Sterling. 
Fonte da imagem: http://www.framingthedialogue.com/archives/thinkpol-think-poll/
O primeiro caso deu no que deu. Uma ação para lá de condenável, flagrante crime de intolerância, foi respondida à brasileira por Daniel Alves e gerou um slogan bacana (por sua ousadia, pela carnavalização e pela dialética da reação): "somos todos macacos". Mas o que poderia em outras épocas soar como marco de uma nova etapa na relação com os atos de racismo chafurdou no pântano do oportunismo, do pseudo-ativismo e da cada vez mais presente domesticação midiática. O que fica do episódio não são seus aspectos positivos, mas  justamente o seu lado farsesco e deletério. Lamentável.
O segundo caso me deixou ainda mais perplexo. O executivo expressou uma postura racista? Claro que sim. Isto justifica sua condenação pública, penal e econômica (multa de  2,5 milhões de dólares!)? Aí já cabe discussão. Por quê? Ora, pelo que entendi, o que ele falou foi em uma conversa privada com sua namorada. E isso faz toda a diferença.
A maioria das pessoas - acredito eu - discorda de Sterling, quando ele diz para sua namorada que não acha certo ela postar fotos ao lado de negros (Magic Johnson, no caso) e pede para que ela não leve negros para os jogos (pelo que entendi, especificamente para a área reservada ao executivo). Esta atitude é, sem dúvida alguma, preconceituosa e condenável. Mas - aí entra a questão central - uma pessoa deve ser proibida de pensar assim no plano privado? O pensamento racista - enquanto pensamento, ideologia e não manifestado publicamente, nem praticado contra outrem - deve ser motivo de penalização? Será que devemos ser condenados pelo que pensamos? 
O que ainda me incomoda mais é que o site (TMZ) que divulgou o áudio da conversa particular sequer é motivo de questionamento. Como o TMZ teve acesso ao áudio? Este acesso foi feito de forma legal ou ilegal? É correto e legal divulgar uma conversa particular?
Insisto: Sterling é uma pessoa que pensa de um modo com o qual eu discordo profundamente, mas eu não acho que temos o direito de punir as pessoas que "pensam" coisas que achamos condenáveis moralmente ou eticamente. 
Se a polícia do pensamento (Orwell ficcionaliza isto em 1984) for consentida e oficializada pela sociedade, estaremos entrando em uma etapa de totalitarismo travestido de democracia que implicará em graves consequências. 

24 de março de 2014

MARCHAS PRA QUE TE QUERO

Dia 22 de março de 2014, 50 anos após o evento que ficou conhecido como Marcha da Família com Deus e Pela Liberdade, aconteceram em algumas cidades brasileiras uma reedição das marchas de 64. 
Em linhas gerais, o número de participantes foi baixíssimo, sendo que São Paulo [leia texto sobre  a Marcha em SP - do Blog da Cidadania] conseguiu arregimentar o maior número de participantes, de 500 a 700 pessoas, dependendo de quem olha e conta, claro. Mas para uma cidade cosmopolita e gigantesca como São Paulo, 1000 pessoas é quase nada. Ou, se quiserem, muito pouco.

VÍDEO SOBRE A MARCHA EM SÃO PAULO (do Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães)

Há um lado sinistro, deplorável, desanimador de tudo isso, se levarmos em conta, por exemplo, o fato de os manifestantes irem às ruas pedindo intervenção militar, deposição da presidente Dilma, defendendo um possível golpe militar com a frágil desculpa de que assim estaríamos "moralizando" o país. Nada mais anacrônico, reacionário e grotesco que tais pontos de vista. 

10 de março de 2014

SOB A NÉVOA DA GUERRA: ONZE LIÇÕES DA VIDA DE ROBERT S. McNAMARA


Robert McNamara participou da Segunda Guerra Mundial, foi presidente das indústrias Ford e Secretário de Defesa nos governos John Kennedy e Lyndon Johnson.
Figura polêmica e extremamente influente, McNamara participou ativamente e teve papel de destaque (e de decisão) em vários conflitos marcantes no século XX: a Segunda Guerra Mundial, os mísseis em Cuba, a guerra no Vietnã dentre outros. 
Em depoimentos francos e emocionados (mas cauteloso ao extremo), McNamara dá sua versão dos fatos, assume seus erros, justifica-se e procura mostrar ser coerente, eficaz e patriótico.
Se para alguns o estilo pró-entrevistado pode incomodar, para outros o documentário se destaca pela importância da figura pública e pelo modo quase didático com que os fatos e os argumentos vão sendo revelados.
Ótimas imagens, montagem segura e uma trilha sonora de qualidade fazem deste documentário uma obra que merece ser vista e revista.


FICHA TÉCNICA:
Gênero: Documentário
Duração: 95 minutos
Direção: Errol Morris
Música: Philip Glass
Ano de Lançamento: 2003
Filme vencedor do Oscar de Melhor Documentário

4 de dezembro de 2013

DOCUMENTÁRIO: O HOMEM PRÉ-HISTÓRICO: VIVENDO ENTRE FERAS (4 partes)

Este documentário (em quatro partes) faz uma série de especulações baseadas nos conhecimentos científicos acerca dos agrupamentos humanos pré-históricos. Procura  mostrar como as descobertas e invenções da pedra lascada e do fogo, por exemplo, proporcionaram saltos enormes no desenvolvimento da espécie e no domínio da natureza.