Esta é décima Copa do Mundo que acompanho "pra valer", pois a de 74 só me vem à cabeça em forma de imagens dispersas e a de 70 é de uma época em que não há vestígios de nada na minha memória (antes dos cinco anos de idade).
Assim como muitas pessoas de minha geração, fui da empolgação com o evento na infância e adolescência até o desencanto das últimas edições. No meu caso, as doze badaladas que transformaram a carruagem em abóbora foi a percepção de quanto os interesses financeiros dos organizadores do evento (FIFA, Nike, Coca-Cola, TV Globo etc.) se tornaram mais importantes e determinantes que o esporte em si. A criminosa escalação de Ronaldo Fenômeno em 98, depois do jogador sofrer uma crise nervosa no vestiário, foi uma decisão dos departamentos de marketing que financiavam o atleta, por mais que tentem esconder o sol com a peneira. Quem deveria de fato decidir (a comissão técnica e seu departamento médico), teve que se submeter à desumana lógica dos cifrões. O resultado foi um jogo estranho, uma derrota que poderia ser evitada e a sensação de traição agravada pela recusa da confissão, fato que por si tem o desastroso poder de abrir uma ferida que só aumenta de tamanho até levar o paciente à morte. Pior ainda seria se perdêssemos para sempre um atleta no auge da carreira.
De lá para cá, sempre acompanhei os jogos, futebol ainda é meu grande fascínio em matéria de esportes, mas o afeto e a paixão esfriaram, entraram em crise, a ponto de nos divorciamos - eu e a seleção brasileira. Mesmo com uma tentativa de reconciliação, devido às intervenções do Ronaldo Renascido e de Rivaldo, em 2002, a vaca foi para o brejo, a casa caiu, e foi um pra lá outro pra cá. Confesso que cheguei a desejar sua derrota nas últimas edições, coisa de ex-marido ressentido, fazer o quê?
Mas a seleção não é só minha, há outros 200 milhões de amantes a me substituir e penso, amargamente, que ela sequer sentiu minha falta. Nos últimos encontros com ela, ficava de longe, olhando seus altos e baixos, dizendo para mim mesmo com repugnante despeito: "eles estão se divertindo com ela, mas ela já não é a mesma que conheci, já não tem o brilho e a beleza da minha época, pobres infelizes". A ocasião faz o ladrão, dizem por aí, mas também os canalhas.
A julgar pelo que os meios de comunicação divulgam, a velha amante anda meio abandonada, milhões de namorados viraram subitamente as costas para ela, muitos ameaçam agredi-la quando a encontrarem na rua. Jamais havia imaginado isso.
Mas eu conheço o poder de sedução dessa Vênus de chuteira e meiões. Quem já experimentou o delírio de suas carícias, sabe que não é fácil ignorá-la, ainda mais quando ela ensaia olhares sugerindo a promessa de outros êxtases.
Para meu espanto, quando pensava que nosso caso já estava para lá de consumado, uma centelha se acendeu, meio que do nada. Coisas que só os velhos apaixonados são capazes de entender, mas não de explicar.
A sensação que tenho é que a festa nos forçará a ficarmos próximos de novo, e não apenas eu, mas todos nós, amantes distanciados, dançaremos juntos, brindaremos, lembraremos os velhos tempos e seremos felizes, pelo menos por algumas semanas. E pouco ligaremos se o final será, dessa vez, feliz de novo.