15 de junho de 2013

FUTEBOL

Adoro futebol. De todos os esportes que conheço, é o que acho mais completo, fraterno e humano. 
As habilidades necessárias para compor um time são impossíveis de se conseguir com apenas um biotipo. Daí que o futebol é acessível a baixos e altos, fortes e esguios, sem prevalência de um sobre o outro, uma vez que para cada posição ou situação um biotipo pode ser preferencial a outro, mas não é regra. Romário e Mauro Galvão estão aí, na memória de todos e nos arquivos na web, para provar minha tese.
O futebol, como todos os esportes, concentra sua beleza e sua grandeza nos aspectos simbólicos que ele produz. Mais do que detalhes técnicos e atléticos, o apreciador de esportes se encanta com o lado mitológico, com as metáforas e com os subtextos imaginados a partir de uma disputa. Quem já viu um atleta de uma nação rica (favoritíssimo antes da largada de uma corrida) ser vencido inesperadamente por um quase desconhecido corredor (representante de um país que muitos sequer conseguiriam apontar no mapa), conchece o tsunami de emoções que os esportes conseguem proporcionar. E, para mim, dentre todos, o futebol é o esporte que mais e melhor consegue metaforizar a experiência da vida humana. 
Há partidas de futebol que podem ser lidas como verdadeiros tratados sobre a espécie humana. Há em cada partida futebol, da final de Copa do Mundo à pelada de várzea de um domingo de sol ao meio dia, um número enorme de sentimentos, situações, conflitos e lições de vida. 
Talvez a explicação para o fato de nossa literatura de ficção tratar tão pouco do assunto, seja porque uma partida de futebol já é um romance em si, ou uma tragédia, às vezes até uma farsa. Mas o que não falta ali, nunca, é drama, a ação que se constroi na dinâmica das causas e consequências. Até partidas canceladas dão boas histórias.

14 de junho de 2013

ESPECULAÇÃO SOBRE "A ORIGEM DO CAPITALISMO"

Com o fim do sistema feudal (Idade Média, séc. XV), a Europa (e o Novo Mundo recém invadido para ser acoplado ao mundo europeu) foi progressivamente desenvolvendo e ampliando as práticas comerciais e industriais que já existiam, mas que foram se tornando cada vez mais organizadas e racionais (Max Weber utiliza o termo "capitalismo racional" para explicar isto). 
Após um período em que a organização política mais recorrente era a monarquia (nobreza), as sociedades da Europa foram se organizando em torno da ideia de Estado-Nação até chegarem na implantação das repúblicas (res = coisa), em que o poder é dividido em três partes (executivo, legislativo e judiciário) e quase todas as pessoas são consideradas participantes do processo político e em iguais condições (embora isto não ocorra plenamente, fica pelo menos no plano da intenção). 
No século XIX surgiram três (foram várias, mas vamos focar nestas três que mais se impuseram) propostas de organização político-econômica: 1. as democracias burguesas (capitalismo liberal); 2. o nacional-socialismo (capitalismo controlado pelo estado); 3. comunismo (o capital aqui passa a ser plenamente controlado pelo estado, que assume o pleno controle dos bens, da saúde, educação, segurança etc.). 

12 de junho de 2013

A LÓGICA DO AMOR ROMÂNTICO

Doze de junho é a data  conhecida como Dia dos Namorados - junto com o Dia das Mães é a que mais lucro gera para o comércio. Véspera do dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro, a data foi provavelmente introduzida no Brasil por João Dória (publicitário baiano), em 1949, para atender aos interesses de uma loja de departamento paulista.
Se pensarmos como a lógica da sociedade capitalista pode ser aplicada a este dia para ajudar a entender sua dimensão racional, a coisa fica assim: o romantismo (entendido como manifestação estética e ideológica própria da burguesia) faz com a relação amorosa o mesmo que faz com outros elementos, como a pátria, a sociedade, o povo etc., isto é, a visão romântica idealiza estes elementos. Idealizar é conferir perfeição, pureza, heroísmo, gigantismo, transcendência a coisas que são simplesmente naturais ou humanas, ou seja, coisas que são imperfeitas, impuras, medíocres, miúdas, telúricas (e isto não é defeito, apenas é assim que as coisas são, sem o cosmético da fantasia). 
O amor idealizado estabelece limites inatingíveis e irreais: duração eterna, harmonia plena, fidelidade até no pensamento, sorrisos 24 horas, tudo didaticamente concentrado na fórmula dos contos de fada (aburguesados): "... e viveram felizes para sempre".

Não por acaso, esta sociedade é congenitamente neurótica, uma vez que viver impondo a si e aos demais a busca por objetivos impossíveis de se atingir só pode gerar frustração, decepção e psicopatias de todo tipo (ainda bem que tem o psicólogo e a farmácia da esquina para aliviar).

Comércio e propriedade individual. Estes dois elementos são fundamentais na distinção entre a sociedade burguesa e a, digamos, "feudal" (medieval) que antecedeu aquela. 

5 de junho de 2013

RECORDAÇÃO (crônica de Antonio Prata)

Resumo: o texto abaixo é de Antonio Prata e é um exemplo primoroso da grandeza e da simplicidade da crônica. Este gênero maleável, que mimetiza qualquer outro gênero, consegue extrair da aparente simplicidade cotidiana momentos sublimes. 
 
Antonio Prata

Recordação



"Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado", ele disse, me olhando pelo retrovisor. Fiquei sem reação: tinha pegado o táxi na Nove de Julho, o trânsito estava ruim, levamos meia hora para percorrer a Faria Lima e chegar à rua dos Pinheiros, tudo no mais asséptico silêncio, aí, então, ele me encara pelo espelhinho e, como se fosse a continuação de uma longa conversa, solta essa: "Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado".

Meu espanto, contudo, não durou muito, pois ele logo emendou: "Nunca vou esquecer: 1º de junho de 1988. A gente se conheceu num barzinho, lá em Santos, e dali pra frente nunca ficou um dia sem se falar! Até que cinco anos atrás... Fazer o que, né? Se Deus quis assim...".

Houve um breve silêncio, enquanto ultrapassávamos um caminhão de lixo e consegui encaixar um "Sinto muito". "Obrigado. No começo foi complicado, agora tô me acostumando. Mas sabe que que é mais difícil? Não ter foto dela." "Cê não tem nenhuma?" "Não, tenho foto, sim, eu até fiz um álbum, mas não tem foto dela fazendo as coisas dela, entendeu? Que nem: tem ela no casamento da nossa mais velha, toda arrumada. Mas ela não era daquele jeito, com penteado, com vestido. Sabe o jeito que eu mais lembro dela? De avental. Só que toda vez que tinha almoço lá em casa, festa e alguém aparecia com uma câmera na cozinha, ela tirava correndo o avental, ia arrumar o cabelo, até ficar de um jeito que não era ela. Tenho pensado muito nisso aí, das fotos, falo com os passageiros e tal e descobri que é assim, é do ser humano, mesmo. A pessoa, olha só, a pessoa trabalha todo dia numa firma, vamos dizer, todo dia ela vai lá e nunca tira uma foto da portaria, do bebedor, do banheiro, desses lugares que ela fica o tempo inteiro. Aí, num fim de semana ela vai pra uma praia qualquer, leva a câmera, o celular e tchuf, tchuf, tchuf. Não faz sentido, pra que que a pessoa quer gravar as coisas que não são da vida dela e as coisas que são, não? Tá acompanhando? Não tenho uma foto da minha esposa no sofá, assistindo novela, mas tem uma dela no jet ski do meu cunhado, lá na Guarapiranga. Entro aqui na Joaquim?" "Isso."

"Ano passado me deu uma agonia, uma saudade, peguei o álbum, só tinha aqueles retratos de casório, de viagem, do jet ski, sabe o que eu fiz? Fui pra Santos. Sei lá, quis voltar naquele bar." "E aí?!" "Aí que o bar tinha fechado em 94, mas o proprietário, um senhor de idade, ainda morava no imóvel. Eu expliquei a minha história, ele falou: Entra'. Foi lá num armário, trouxe uma caixa de sapatos e disse: É tudo foto do bar, pode escolher uma, leva de recordação'."

Paramos num farol. Ele tirou a carteira do bolso, pegou a foto e me deu: umas 50 pessoas pelas mesas, mais umas tantas no balcão. "Olha a data aí no cantinho, embaixo." "1º de junho de 1988?" "Pois é. Quando eu peguei essa foto e vi a data, nem acreditei, corri o olho pelas mesas, vendo se achava nós aí no meio, mas não. Todo dia eu olho essa foto e fico danado, pensando: será que a gente ainda vai chegar ou será que a gente já foi embora? Vou morrer com essa dúvida. De qualquer forma, taí o testemunho: foi nesse lugar, nesse dia, tá fazendo 25 anos, hoje. Ali do lado da banca, tá bom pra você?" 

(FOLHA DE SÃO PAULO. 5 jun. 2013 - Cotidiano - Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/112455-recordacao.shtml)