30 de novembro de 2013

AS MADRES TERESAS DE CONDOMÍNIO


Se tem uma coisa que a classe média urbana desconhece, na qual é completamente ignorante, é o tal do “povo”. E é preciso colocar essa palavrinha entre aspas porque ela em si não quer dizer coisa alguma. Por povo, ali, deve-se entender a multidão de pobres e trabalhadores de baixa renda espalhados pelos Brasis de cima a baixo.
O termo “povo” é uma dessas palavras-bombril, tem mil e uma utilidades, mas seu valor é de uma inconstância terrível, variando da positividade emotiva de “somos um povo alegre” até a negatividade mais rasteira da atemporal “o povo não sabe votar”. E ainda tem um detalhe: no primeiro caso, o povo somos “nós”, no segundo, são “eles”.
Mas eu falava da burrice da classe média urbana em matéria de povo e vou explicar. O indivíduo que mora em apartamento e estudou em escolas caras só conhece o tal de povo pela telenovela e pelo telejornal, nas crônicas do Jabor e nos bons-dias e boas-noites que dá para o porteiro. Nada mais artificial e enganador para entender o tal do povo do que observá-lo nesses lugares. Na TV e na imprensa, o povo aparece como um bando de imbecis alienados, festivos em dia de jogo de futebol, trágicos na entrevista após as enchentes ou ridículos quando explorados em programas de auditório. Mas esta versão fictícia agrada em cheio à mentalidade do homem ilustrado, porque este precisa desesperadamente se sentir diferente do tal do “povo em negativo”, precisa se sentir mais inteligente, informado e civilizado. Para atender essa fantasia classista a que precisa se agarrar como o náufrago no pedaço de pau, a imprensa e a indústria do entretenimento fabricam suas caricaturas para consumo do bom burguês.
Mas tem também o classe média sensível e “cabeça”, que diz adorar o povo, entendê-lo e ajudá-lo (só esquece de perguntar se o dito povo está interessado em sua ajuda). Para este ser de espírito elevado o pobre é um coitadinho, uma vítima do sistema, um mendigo de tudo: dinheiro, cultura, bom gosto, bons modos. Outra balela. No seu afã de praticar boas ações ele se junta a outros comovidos filantropos e vai em busca do zé povinho. Alguns ofertam sopa e cesta básica e vão dormir aliviados, outros acham que levar balé e orquestra para a favela é a maior das gentilezas. Nada mais ofensivo, arrogante e autoritário do que achar que o que o pobre precisa é ouvir Tom Jobim ou Vivaldi para virar gente. Na cabeça esfumaçada da classe média urbana, além das confusas noções que ela tem de liberdade e conhecimento, fermenta a ideia de que o que o povo mais almeja na vida é morar no apartamento em que ela mora, estudar em sua escola, comer no seu restaurante e ver os filmes que ela vê. O ser urbano imagina que tudo o que o pobre quer é virar ele também um classe média. Nada mais equivocado que isso.
O pobre quer mais dinheiro sim, quer mais conforto, quer mais comida, diversão e arte, como diz a música. Mas não a comida a diversão e a arte que são servidas ao pequeno e grande burgueses. O pobre não quer morar no condomínio de luxo, não quer ir ao teatro assistir ‘stand up’, não quer ouvir Ivan Lins. Mas o aburguesado sensível não sabe disso e na sua fantasia apalermada de madre Teresa de Calcutá humilha, ofende, engessa e rebaixa o pobre com seus eventos, projetos, com sua retórica de almanaque e sua generosidade inútil.