por Fábio Elionar
A série de vídeos aqui publicada (Tudo é Remix) e um debate em uma rede social me motivaram a comentar um pouco mais a questão do que é arte, do que não é arte, do que é melhor ou pior artisticamente falando, mas é claro
que não tenho a pretensão de encerrar o assunto, quero apenas colocar a questão em pontos específicos para que não se confundam.
Acho possível separar o tema em dois
pontos de vista complementares. De um lado teríamos a questão do conceito de
Arte, que é uma questão teórica. De outro, temos o ponto de vista do gosto, da
apreciação crítica, da recepção estética da obra.
Objetivamente falando, obras questionadas por estudiosos mais ou menos tradicionais como Robert Scruton e Afonso Romano de Sant'Anna, como as do movimento dadaísta e da arte conceitual - para ficarmos com dois momentos -, são "arte". Talvez a maior contribuição de Duchamp, seu grande legado, foi exatamente questionar
o conceito tradicional, elitista e excludente do que seria arte. De fato, arte é uma
obra, mas é também uma operação (performance), é também uma reflexão sobre tudo
isto, e se uma “obra” propõe uma ou mais dessas possibilidades, se o contexto
de produção e recepção considera-a uma obra artística, se o artista
conscientemente se propõe como tal, pronto! Isto é arte. Esta visão é, claro,
de fundo sociológico e se opõe a um conceito apriorístico e universalista da
questão. É um conceito, digamos, moderno (e contemporâneo, por extensão) do que
seja arte.
O segundo ponto de vista implica na qualificação, no
julgamento e, portanto, na apreciação subjetiva da obra de arte. Há pessoas que
adoram Rafael Sanzio e não gostam de Miró. Mas também ocorre o contrário. O
geometrismo de Mondrian, o abstracionismo expressionista de Pollock comovem
muitas pessoas, que os acham mais coerentes com a contemporaneidade, por isso mais
“belos”, do que os retratistas da escola espanhola, por exemplo. Se observarmos
culturas como as dos apreciadores de tatuagem, dos fãs de bandas de doom metal,
dos fanzineiros do século passado, se passearmos por uma rave veremos que a
estética assumida por esses grupos é facilmente tida por muitos como de mau
gosto. Isto é uma questão subjetiva. Se perguntarmos para um caipira paulista
ou mineiro se ele prefere uma pintura clássica a uma peça de artesanato de sua
localidade, talvez sejamos surpreendidos pela escolha dele. Não há argumentos
objetivos que hierarquizem a experiência do gosto.
No mais, também relativizo a questão de haver uma arte com A
maiúscula. De fato, há uma arte que expressa o gosto dominante, há
manifestações culturais tidas como melhores, maiores, de mais prestígio pelo
mesmo fato de servir como parâmetro de distinção entre o gosto dominante e os
demais. Assim, têm-se o balé, a música “clássica” (ou erudita), a bossa nova, o
teatro (mas não todo teatro) etc. como exemplos de arte maior. Mas é pura questão
de imposição de hegemonia. Também não há nesses casos, qualquer parâmetro
objetivo, conceitual, lógico que justifique ser uma peça de Vivaldi algo melhor
do que uma canção de Roberto Carlos. Os termos, argumentos e exemplos
utilizados para isto revelarão, no máximo, a afirmação de um ponto de vista de
classe etc.
Para quem tem por modelo de beleza o gosto clássico pelo
harmonioso e natural, é evidente que os artistas do Renascimento, os
românticos, alguma coisa do impressionismo e, mais raramente, obras
contemporâneas figurativas sejam mais agradáveis e estimulantes, sejam
consideradas mais refinadas e sofisticadas (e de fato na maioria das vezes o são) do que as demais
obras da história humana. Mas há outros gostos, outros padrões estéticos,
outros interesses e visões sobre o que é arte, o que comove na arte, até mesmo
se a arte precisa interessar ou comover.
Querer definir subjetivamente o que não é arte por atentar
contra sua sensibilidade estética ou pela preferência de seu grupo social é um exercício
de poder perigoso e pouco respeitoso com as diferenças.
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