24 de março de 2014

MARCHAS PRA QUE TE QUERO

Dia 22 de março de 2014, 50 anos após o evento que ficou conhecido como Marcha da Família com Deus e Pela Liberdade, aconteceram em algumas cidades brasileiras uma reedição das marchas de 64. 
Em linhas gerais, o número de participantes foi baixíssimo, sendo que São Paulo [leia texto sobre  a Marcha em SP - do Blog da Cidadania] conseguiu arregimentar o maior número de participantes, de 500 a 700 pessoas, dependendo de quem olha e conta, claro. Mas para uma cidade cosmopolita e gigantesca como São Paulo, 1000 pessoas é quase nada. Ou, se quiserem, muito pouco.

VÍDEO SOBRE A MARCHA EM SÃO PAULO (do Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães)

Há um lado sinistro, deplorável, desanimador de tudo isso, se levarmos em conta, por exemplo, o fato de os manifestantes irem às ruas pedindo intervenção militar, deposição da presidente Dilma, defendendo um possível golpe militar com a frágil desculpa de que assim estaríamos "moralizando" o país. Nada mais anacrônico, reacionário e grotesco que tais pontos de vista. 
Outros argumentos são que vivemos sob um regime comunista-socialista (sic), que o Brasil vive em conluio político com Cuba e Venezuela (sic) e que a corrupção agora é maior que em outras épocas (sic). Nada mais simplista, distorcido e questionável.
Várias podem ser as explicações para isso. A revista - outrora jornalística - Veja vem há muito municiando seus leitores com argumentos semelhantes aos descritos acima. Um sem número de formadores de opinião vêm ocupando espaços na mídia e martelam na cabeça de seus seguidores a fantasiosa ameaça comunista. Há um vídeo em que um professor renomado defende que vivemos em um regime socialista e que o neo-liberalismo jamais foi praticado por nossos governantes, sendo que FHC, Lula e Dilma seriam socialistas de carteirinha.
Olavo de Carvalho, ex-articulista do extinto Jornal do Brasil (JB), se auto intitula filósofo e - surpreendentemente para quem até há pouco tempo estava em inescapável ostracismo - agrega hoje um barulhento grupo de seguidores. Sua página na web é muito frequentada, publica vídeos, postagens de todo o tipo e seu livro se tornou best seller, e chegou ao mercado com uma campanha de marketing profissional. Seu parceiro de vídeos e ideias, o cantor Lobão, é outro que também saiu da penumbra para os holofotes devidamente posicionados para iluminar seus discursos "enfezados" e sob encomenda (detalhe: no universo midiático, o competente músico ficou em segundo plano, em detrimento de seu lado intelectual iconoclasta). 
É fato que muitas pessoas que participaram das marchas (e seus correlatos nas redes sociais) são em grande parte pouco informadas sobre a história, os fundamentos políticos, a realidade sócio-cultural do país e do mundo, mas não é muito diferente também com as pessoas que estão "do outro lado". Muito do discurso "cabeça" da juventude universitária e das inteligências citadinas é cartilha mal digerida, é simplificação maniqueísta. 
Mas, apesar de tudo isso, há um outro lado também, um lado positivo de tudo isto. Se é deploravelmente risível e assustador ver em vídeo as pessoas expondo ideias para lá de condenáveis, é interessante perceber que começa-se, em alguns setores da sociedade, despertar novamente a necessidade de ir às ruas, de manifestar suas posições políticas, de contestar instituições e linhas de pensamento. Para um país cuja juventude é sempre doutrinada a pensar que "o povo" é passivo e alienado (embora a história desminta isto) é muito interessante essas manifestações que geram conflitos. Os jovens (e os não tão jovens também) que engrossaram a Marcha da Família 2 ou os que se sentiram obrigados a ir na Marcha Anti Fascista estão percebendo que é possível tomar as ruas como espaço político. Se na opinião dos mais otimistas as câmaras municipais, estaduais e federais seriam o palco perfeito para o conflito de ideias, baseado na representatividade partidária, vai ficando claro para os demais que há outras formas de compreender isto. Que há pessoas querendo retomar as ruas e praças como a arena complementar dos conflitos (de classe? de visão de mundo? de concepção econômica?). 
Talvez os próprios gladiadores não saibam ao certo que modalidade estão lutando, mas já começam a perceber que é preciso, possível e inevitável atacar e defender. 
Da letargia à ação, já é algum tipo de movimento.

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