29 de agosto de 2012

SOBRE ABORTO, PATERNIDADE, DIREITOS...

A questão do aborto, como todo tema polêmico por natureza, é difícil de ser abordada, até mesmo porque os envolvidos costumam posicionar-se a partir de seu ponto de vista concreto como ser social e tendem a exaltar-se e perder o senso de tolerância necessário ao debate de assuntos desse tipo.
O assunto envolve aspectos éticos, legais, morais, religiosos, financeiros etc., sendo que cada aspecto desses possui seus argumentos para lá de coerentes e justificáveis. Daí a dificuldade em conciliar as partes. 
Particularmente, entendo que já passou da hora de o Estado adotar medidas legais para combater este problema, que é de saúde pública e, portanto, é um direito das cidadãs brasileiras no cuidado com seu corpo e sua saúde.
O fato é que milhares de abortos clandestinos são realizados por ano, em precárias condições, e geram problemas de saúde e até mesmo a morte das mulheres. O SUS é o lugar para onde a maioria irá após as complicações e o Estado, tendo ou não legalizado o aborto, irá participar com os custos do tratamento.
A certeza que tenho sobre a necessidade de uma política de saúde pública para o aborto não é a mesma quando penso na questão de como legalizar tal prática. Não acredito que a legalização irá gerar uma onda de abortos entre mulheres jovens e adultas, uma vez que é um procedimento traumático em qualquer situação e há pressões sociais que impedem sua banalização. Mas penso que a legalização deveria ser feita dentro de uma estrutura ampla de esclarecimento sobre métodos contraceptivos e de incentivo à gestação, ficando a possibilidade do aborto somente para casos plenamente inevitáveis.
Até há pouco tempo desconhecia o argumento de que a legalização deveria implicar em uma autonomia da mulher acerca da escolha por abortar ou não. Quem defende este ponto de vista, afirma que, se o corpo é "da mulher", é ela, e unicamente ela, quem deveria decidir o que fazer.
Considero este ponto de vista um tanto quanto radical, uma vez que a sociedade é aqui entendida como um conjunto em que as fronteiras de gênero são solidamente marcadas e impenetráveis. Esta proposta, para mim, só faz sentido (e só se justifica) em uma sociedade regida exclusivamente por princípios liberais (no sentido econômico do termo), em que a propriedade do corpo e seu usufruto se assemelham à ideia de propriedade privada (de posses e de bens). Para pensar e agir assim, é preciso que as pessoas estejam totalmente assimiladas à retórica jurídico-burocrática do individualismo burguês e reproduzam em seus atos e relações a lógica do capitalismo liberal. 
Por sua vez, negar o debate e ignorar o problema é uma postura que pode ser cômoda para quem não tem que lidar diretamente com isso, mas para esses outros, incluindo aí o Estado, a urgência da questão é sufocante.

Reproduzo abaixo um texto instigante de João Pereira Coutinho, que acrescenta ao debate da legalização do aborto um dado novo: a reivindicação do direito a não paternidade como princípio da igualdade de gêneros.

JOÃO PEREIRA COUTINHO
Filhos da mãe
Se a mulher pode decidir abortar, por que o homem não pode se recusar a ser pai?, questiona pesquisador
Aborto. A minha semana foi dominada por ele. Nos Estados Unidos, o republicano Todd Akin fez estragos na campanha de Mitt Romney com uma afirmação miserável sobre o tema: quando há violação, o corpo da mulher tem maneiras de resolver isso, rejeitando a gravidez.
A miséria da frase não está no delírio acientífico do homem, nem sequer na sua recusa do aborto em casos de violação -uma posição tradicionalista, sim, que é possível entender (não por mim) e até respeitar (idem).
A verdadeira miséria está na defesa explícita de que há violações e violações. Se a violação é verdadeira, o corpo da mulher é uma espécie de nave espacial que se desvia dos meteoritos, impedindo que o espermatozoide faça a sua aterragem triunfal em solo ovular.
Se, pelo contrário, a violação é ambígua, ou "amigável", como sacrificar a vida de um inocente? Sobretudo quando esse inocente é o produto de uma violação-que-não-é-bem-uma-violação?
Já escrevi nesta Folha. Repito: sou contra a liberalização do aborto, exceto quando está em causa a saúde física e psíquica da mãe.
E imagino que uma mulher violada -a sério ou a brincar- não fica propriamente no seu melhor estado anímico. As palavras de Todd Akin são, por isso, duplamente aberrantes.
Mas o aborto, e a minha semana a pensar no assunto, não veio dos Estados Unidos. Veio de Portugal.
Na imprensa lusitana, encontro notícia séria que merece reflexão séria: um pesquisador português, Jorge Martins Ribeiro, escreveu um estudo universitário sobre a paternidade.
Melhor: defendendo a possibilidade de um homem não reconhecer a paternidade de um filho nascido contra a sua vontade.
O pesquisador português baseia-se na mais pura igualdade entre gêneros. E invoca a liberalização do aborto no país (desde 2007) em socorro das suas teses: se, em Portugal, a mulher pode decidir abortar até as dez semanas de gestação, independentemente da posição do homem sobre o assunto, por que motivo o homem não pode recusar a paternidade de uma criança?
O raciocínio de Martins Ribeiro é exemplar -e exemplar porque parte da mesma noção de "autonomia" que está no centro das discussões progressistas sobre o aborto.
É a mulher grávida quem decide o que fazer com a criança. Sempre. A opinião do homem; os seus interesses; o desejo (ou não) de ser pai -tudo isso tem importância, digamos, conjugal ou sentimental.
Mas nada disso determina o fim do processo. Porque a "autonomia" da mulher é sempre soberana.
Nenhum homem pode obrigar uma mulher a abortar. No esquema geral das coisas, o homem não passa de um doador de esperma que, depois do serviço, é atirado para as bordas do prato, assistindo a um filme onde ele será apenas ator coadjuvante.
Como? Perfilhando (obrigatoriamente) a criança e sustentando-a, caso a mãe decida tê-la.
O pesquisador Jorge Martins Ribeiro, com impressionante sensibilidade paritária, inverte as premissas tradicionais do debate e conclui: se um homem não pode obrigar a mulher a abortar, não pode também ser obrigado pela mulher a perfilhar uma criança que ele não desejou.
E mais: nem a autoridade do Estado pode invadir essa esfera de "autonomia" (masculina). O Estado não pode determinar que uma mulher aborte uma criança.
Como pode desencadear uma averiguação oficiosa de paternidade? Se o pai não quer ser pai, o filho será, literalmente, filho da mãe.
Claro que, no meio do debate, algumas consciências progressistas acabarão por apelar para "os superiores interesses da criança".
Curioso: quando é para abortar, não há "superiores interesses da criança"; quando o homem ameaça fazer as malas, a criança passa a ter "superiores interesses".
Nada disso perturba o raciocínio do nosso pesquisador. "Superiores interesses da criança"?
Diz ele: um sistema que já acomoda o aborto livre até as dez semanas pode perfeitamente conviver com filhos sem atribuição da filiação paterna.
Eis, no fundo, a beleza da "autonomia" progressista: todos sabemos como ela começa; ninguém sabe como ela acaba.
(João Pereira Coutinho. FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 29 ago. 2012, Ilustrada)

Um comentário:

  1. Anônimo7/8/13 11:09

    OLHA SOU CONTRA O ABORTO FIQUEI GRAVIDA DO MEU NAMORADO ITALIANO..ELE QUIS QUE EU TIRASSER E EU NAO...ENTAO RESOLVI IR P BRASIL TER...ELE NAO REGISTROU E NAO QUER REGISTRAR O FILHO MAS ESTOU JA NA ITALIA PROCURANO OS DIREITOS DO BEBE..E MUITO TRISTE UMA PESSOA QUE FAZ ESSA MERDA SE DEUS DEU E PORQUE VC TEM CAPACIDADE DE CRIAR PENSO EU ASSIM..SOU FELIZ MEU FILHO E UMA BENCAO E LINDO E PERFEITO HJ ESTA CM 9 MESES EU SO AGRADECO A DEUS

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