6 de fevereiro de 2013

MAIORIAS E MINORIAS


O assunto que vou tratar aqui é polêmico, o que significa que, provavelmente, muitos interpretarão a sua maneira, de tal modo que o conteúdo principal do texto será desprezado em função de supostas posições que o texto expressaria nas suas entrelinhas. Isto é inevitável, mas mesmo assim publicarei.

A sociedade burguesa é fundada no princípio democrático e, por consequência, no Estado de Direito. A base política que sustenta isto é o executivo, a base jurídica é o judiciário. O legislativo opera entre esses dois polos. O capital, corporificado por empresários, executivos, corporações e instituições de todo tipo, tem papel fundamental na composição e na orquestração das citadas bases.
É preciso lembrar que há várias possibilidades de se pensar o Estado e a Nação. Desde propostas de base liberal, em que o Estado procura intervir minimamente e cuja principal função é facilitar a dinâmica do chamado Mercado, até propostas de um Estado controlador e gestor atento da vida pública.
A proposta de Estado mínimo interessa não só às ânsias de lucro do capital, mas também aos setores médios que operam no plano ideológico para conquistarem espaços e privilégios por meio da oficialização de seus interesses. É aqui que entra a importância, para esses grupos, da jurisprudência e da democracia burguesa e liberal.
Mas para transformar seus interesses em leis que garantam tais privilégios, é preciso antes uma operação de propaganda (ideológica, evidentemente) para disseminar a ideia de que suas reivindicações são mais que plausíveis, justas, éticas e que qualquer pessoa esclarecida não deveria se posicionar contrariamente a tais reivindicações.
O problema é que há muito mais em jogo do que o correto direito de reivindicar igualdade, uma vez que a imposição, pela força da lei, do bom senso tende, majoritariamente, a inverter o processo de coerção. Essas contradições existem em grande número em um país como os Estados Unidos, cuja jurisprudência atinge níveis draconianos e beira a uma ditadura da toga.
Detalhe: nas variantes do Estado Máximo, os interesses da Pátria e da coletividade (vista por um processo de homogeneização controladora que sobrepõe o índice de nacionalidade sobre os demais índices de diversidade) se impõem aos interesses dos subgrupos e esta ideologia não tende a tolerar a criação de nuances no aparato legal. O Judiciário aqui, trabalha em função do Estado-Nação.
Detalhe: nas variantes do Estado Mínimo, os interesses dos grupos que detêm o poder (político, econômico, simbólico etc.) tendem a se sobrepor à ideia de coletividade, uma vez que a ideologia da heterogeneidade estimula a construção de sistemas legais fragmentados, múltiplos, que muitas vezes entram em choque e geram contradições violentas de interesses. Um exemplo contundente desta contradição é o modo como a sociedade (que tanto preza o direito individual de uso do próprio corpo e do espaço urbano) reage ante as “hordas” de usuários de craque que “infestam” os centros da grandes cidades clamando aos poderes públicos que encarcerem sumariamente tais indivíduos.
O que vivemos atualmente no Brasil é uma situação em que as disputas pela hegemonia e pelos privilégios travestidos em direito criam situações em que os debates são cerceados pela ideologia da heterogeneidade. A mesma sociedade que se elevou ao posto de grupo dominante por meio da representatividade dos interesses múltiplos em constante debate e embate nas instâncias do poder – afinal, não é isso a democracia? -, cria mecanismos de negação e cerceamento do debate!
No plano dos discursos, estes mecanismos se concretizam como espécies disfarçadas de “tabus”.
Agora é preciso dizer o que não se pode e não se deve. É preciso usar de exemplos genéricos, não desenvolvidos devido ao espaço curto, mas compreensíveis caso haja boa vontade por parte do leitor. Por outro lado, seus vazios permitem o preenchimento maldoso que degenera em sabotagem, distorção ou calúnia.
Vários grupos (não todos) que militam em nome das chamadas minorias, embora atuem em frentes distintas, têm em comum o pertencimento de classe (média-média ou alta), a proximidade com os poderes políticos (ocupam cargo no legislativo ou são assessores; pertencem a sociedade civil organizada, terceiro setor etc.) e a mentalidade urbana (de anseios metropolitanos) e liberal. Do mesmo modo, têm em comum o desconhecimento e o desinteresse pelo grosso da população brasileira, formado por gente pobre, de origem rural ou suburbana e mentalidade provinciana e de tendência conservadora. Simplificando ao máximo: há muita diversidade aí, sim. E isto implica na necessidade de muitos debates e ajustes.
Mas como fica quando, em nome de uma suposta mentalidade esclarecida e superior, é negado ao outro o direito da contradição?
Se alguém resolve manifestar um ponto de vista que considera que certos setores que militam por leis raciais reforçam um processo de racialização do país, toca em um tema tabu e seu direito à contestação é negado e sua postura é preconcebidamente classificada como indesejável e o debate não é permitido.
O mesmo ocorre com assuntos como o direito ao aborto, em que setores envolvidos na questão recusam aos homens o direito ao debate, de tal modo que questões jurídicas, médicas, de saúde pública e que interessam a todos cidadãos são consideradas como de interesse único e exclusivo de determinadas mulheres. Ou quando nos assuntos ligados aos interesses dos grupos LGBT a mesma situação ocorre: se alguém contesta itens em uma proposta de lei ou quer debater um detalhe jurídico ou penal, logo seus argumentos são ignorados por sua suposta homofobia (!?).
O tempo todo defende-se a liberdade de imprensa e expressão, até mesmo duvidosas declarações são justificadas como “piadas”, mas fecham-se os olhos para a censura a blogues e, citando um caso extremo (em todos os sentidos), consideram normal a proibição do Mein Kampf (mas e a tal liberdade?).
O grande problema do tabu é que ele ocupa uma situação tão solidificada na ideologia dominante que não permite sequer a sua apreciação, a sua análise. Um tabu é um limite que se coloca entre a razão, a coerência, a lógica e o sagrado.

LINQUES:


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