10 de dezembro de 2012

MELANCOLIA, de Lars Von Trier

Microrresenha  para lá de  subjetiva sobre o filme de Von Trier ou Apreciações sobre a teoria da narrativa.

Assisti ontem ao filme Melancolia (2011) e a sensação geral que me ficou foi a de que o filme é bonito e impactante, o elenco é competente e estrelado, o roteiro é interessante, mas o resultado final é que a pretensão e a artificialidade pesam mais (e negativamente) do que suas virtudes.
Existem filmes (e livros também) que parecem ser feitos para agradar a crítica, de tal modo que o ritmo, as imagens, as cenas vão surgindo como se já houvesse ali uma metáfora pronta, indicações explícitas dos subtextos, dos níveis de profundidade da obra. É uma espécie de obra aberta invertida. Em vez de o espectador (ou leitor) ir em busca das conotações da obra, a própria obra já lhe dá de bandeja todas suas possíveis aberturas.
Dito de outro jeito, uma narrativa é pensada a partir de situações (ações que geram reações e daí a intriga, o conflito, o humor, o suspense etc.) que se sucedem em direção a um desfecho. Seja o final esclarecedor ou não, é fato que em algum ponto a narrativa acaba (ou pelo menos a narração, como gostam de distinguir os teóricos da narrativa).
Uma narrativa também é, por sua própria economia, sintética e excludente. Por mais que virtuosismos possam querer contestar esta condição (como o Last Days, de Gus Van Sant, que simula ser um filme "sem roteiro"), o que temos nesses casos é a exceção a confirmar a regra. Daí que os personagens, o cenário, os objetos, os diálogos não estão em um roteiro por acaso, ou por um desejo aleatório qualquer, mas são escolhidos e ordenados (montados) para compor o resultado final do tipo de história que se pretende contar.
Acontece que nas últimas décadas incontáveis criadores têm se especializado em elaborar suas histórias já de olho na crítica que sairá nos jornais, revistas ou artigos acadêmicos. A história, então, deixa de fluir em sua naturalidade lógica e passa a ser remontada para atender a leitura dos críticos. E dá-lhe simbologia forçada.

Em Melancolia, o que me ficou foi isso. O casamento pomposo e decepcionante, a noiva em crise existencial, os pais opostos em tudo, o campo de golfe, os cavalos belos e viris, os livros de arte, o filho que não fala, as irmãs antagônicas que se amam, o marido-macho-racional-controlador, o choque dos planetas, o privilégio do telescópio (séc. XVII) sobre a internet (séc. XX), a remissão ao matriarcado tribal, tudo, tudo está ali para revestir de profundidade forjada um roteiro de cinema.
Do ponto de vista estrutural, Melancolia (2011) é exatamente igual a Cloverfield, um filme-catástrofe do gênero "câmera-na-mão" realizado em 2008 (direção de Matt Reeves). Infinitamente menos pretensioso, o enredo de Cloverfield antecipa as técnicas narrativas de Melancolia: o evento apocalíptico é antecedido por uma longa narração de uma situação banal, mostrada em tom documental, avesso às técnicas do cinema espetacular. O efeito disto é óbvio: o espectador é projetado para um universo "real", de pessoas "normais", de situação cotidiana (a festa de despedida em um, um casamento no outro). Quando o evento improvável se dá (a aparição de um monstro ou uma catástrofe planetária), fica a sensação de que aquilo é realmente factível. O efeito de verossimilhança se dá pela manipulação consciente da forma (o tom documental), que reveste o conteúdo fantástico de banalidade cotidiana.
Mesmo em sua despretensão, Cloverfield permite a um crítico agudo a elaboração de profundas metáforas analíticas, uma vez que a reconstrução de um texto outro e complementar ao texto base é característica do processo de interpretação. Mas no filme de Matt Reeves os elementos do enredo estão lá por uma lógica da economia narrativa e não para forjar um alto nível de reflexão filosófica com base na autoassumida sofisticação do Velho Mundo.
Não é o desequilíbrio entre o elenco principal, em que Charlotte Gainsbourg sufoca os outros (grandes) atores, que gera o descompasso do filme. Não são sua estética e ritmo “europeus”, não são suas incontáveis incongruências. Este mal estar (subjetivo, claro) que me ficou se deve muito mais ao fato de o filme propor desde o início uma naturalidade e uma verossimilhança do banal que são atropeladas pela pretensiosa engenharia de seu criador.

Ficha técnica do filme: clique aqui (Adoro Cinema)

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