Onde e quando nasce a burguesia? Esta pergunta terá
tantas respostas quantos forem os modelos de pensamento utilizados para tentar
respondê-la.
Como é útil definir alguns pontos de partida quando
se quer conversar mais profundamente sobre algo, vamos propor um rascunho para
essa indagação.
Começa assim: a palavra remete a "burgo",
que seriam os protótipos do que hoje conhecemos por "cidades". O
burguês é seu habitante e a burguesia o conjunto formado pelas pessoas assim
classificadas.
Desde o século XII já é possível identificar
pessoas cujas ocupações se distinguem do grande número de trabalhadores braçais
(e demais grupos de baixo prestígio, despossuídos, mendigos etc.) que formavam
a enorme base da pirâmide medieval.
Conforme esta camada vai se desenvolvendo, vai
ficando cada vez mais numerosa e influente. No comércio, na construção, na
manufatura, nos serviços burocráticos, são várias as áreas de ocupação que
ficam a cargo dessas pessoas. Mas claro, é preciso lembrar que essa história
não é simplesmente linear, mas atravessada por refluxos de época em época.
Os séculos XVIII-XIX assistiram a uma transformação
e reorganização política-social-econômica-cultural, em grande parte, pela
consolidação da chamada classe burguesa como grupo dominante. No marxismo
clássico, o termo burguesia designava a camada de proprietários de capital,
profissionais liberais e certa classe política que foi gradativamente assumindo
posições de poder e que se torna a classe dominante a partir da
implantação dos novos sistemas de governo cujo marco histórico é a Revolução
Francesa (1789).
O termo burguês atravessa o século XX e se abre
para múltiplas interpretações. Devido à relativa transformação das classes
trabalhadoras, que ao final do século XX vão sendo integradas à sociedade de
consumo, é possível compreender que um processo de aburguesamento das classes
médias e baixas transformou o cenário de conflito de classes - tão mais claro
na época do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels - em um universo
no qual o sentimento de pertencimento das massas trabalhadoras à chamada
"classe operária" (ou proletariado) vai sendo diluído e fazendo com
que assalariados e pequenos empreendedores assumam a postura, a moral, a
lógica, a ética e a ideologia da burguesia.
Alguns aspectos e valores próprios da burguesia que
serão absorvidos progressivamente pela massa desses novos cidadãos e
consumidores seriam: a extensão da cidadania à totalidade da população; a
valorização do conhecimento (por meio de escolas, universidades, cursos...) e
sua divulgação (o gosto pelos livros, impressos, web, TV...); a burocracia e a
jurisprudência como ferramentas capazes de regular as relações entre
indivíduos e promover a igualdade entre eles; a ideia de Estado laico, mas em
convívio harmonioso com as religiões; a valorização do pensamento científico e
das ideias racionais; o sentimento de que o progresso e a técnica elevaram a
humanidade a um estágio de segurança e conforto materiais jamais alcançado na
história; a aplicação da lógica do capital a quase todos os setores do
cotidiano; a noção de tempo linear e acumulativo... Mas é possível objetar que
alguns desses aspectos são muito mais ideais e retórica do que princípios de
fato.
A lista acima não para por aí e é gigantesca, mas o
que pretendemos aqui é apenas esboçar um painel que nos daria uma certa noção
do que poderia, hoje, servir para qualificar o "ser burguês". Daí
que, quando falamos em sociedade e pensamento burgueses, podemos usar este tipo
de conceito, que não é o de uso mais comum, mas funciona quando a mirada busca
entender algum fenômeno levando em consideração não apenas uma centena de anos,
mas toda a gestação, implementação e transformação dessa sociedade que veio
substituir o que ficou conhecido por "sociedade feudal", ou Idade
Média.
Até quando ela irá existir não sabemos, mas é o que
hoje aí se encontra.
IMAGEM: O Casal Arnolfini (Jan Van Eyck - 1434)
IMAGEM: O Casal Arnolfini (Jan Van Eyck - 1434)
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