30 de setembro de 2013

SOBRE OS DISCURSOS CONTRA O PRECONCEITO

Universidade de Yale (fundada em 1701), Connecticut, EUA.


Em uma notícia de hoje (30/09/2013), no Estadão, sobre a prisão da jornalista brasileira nos EUA, o jornal reproduz comentários de Laurentino Gomes. A fala dele, na minha opinião, reproduz algo que me incomoda nos discursos sobre preconceito, pois ele faz afirmações e alusões sobre a prática da xenofobia a partir de impressões, de experiências acumuladas no passado, de uma constatação generalizada. Mas acontece que o caso em si, analisado em seus detalhes, não nos permite afirmar que houve, como ele diz, preconceito óbvio contra estrangeiros. Esta afirmação pode ser, no máximo, uma suposição (suposições são impressões, subjetividades), mas daí já sair rotulando o episódio de xenofobia é muito mais a afirmação de um dogma do que a reflexão sobre o ocorrido. 
Digo isso porque observo que boa parte (talvez a maioria) dos discursos contra o preconceito são reproduções desse modelo de percepção subjetiva e reação dogmática. O problema é que tais comportamentos desqualificam a justa preocupação contra o preconceito, criam polaridades maniqueístas (ex.: todos os homens X todas as mulheres) que não são tão absolutas assim e acabam por despertar a desconfiança da opinião pública quanto as reais intenções dos grupos que manifestam tais discursos. 
Ou seja, esta prática reducionista não contribui para a compreensão do fenômeno, apenas lança mais uma cortina de fumaça sobre ele.
REPRODUÇÃO DO TRECHO DA REPORTAGEM: "O jornalista e escritor Laurentino Gomes lamentou nesse domingo, em seu blog, a prisão da jornalista do Estado. Para ele, mais do que ser vítima de uma atitude arbitrária, Claudia foi alvo do preconceito contra estrangeiros.
"Na minha opinião, Claudia Trevisan foi presa por tentar exercer o seu ofício de jornalista, contra a vontade das autoridades envolvidas no episódio, e também por ser brasileira, ou seja, uma estrangeira em terras americanas. Mais do que vítima da atitude arbitrária de um policial, Claudia foi obviamente alvo do preconceito contra estrangeiros e, em particular, latino-americanos, que infelizmente ainda permeia parte da sociedade americana", afirmou."

SOBRE O CASO: Cláudia Trevisan, jornalista do Estadão, foi presa e autuada quando tentava entrevistar Joaquim Barbosa em Yale (o ministro havia recusado uma entrevista agendada; a universidade disse para a repórter que o evento era fechado). Ela, para cumprir a pauta definida pela redação, decidiu esperar Barbosa na saída do evento. Ao perguntar a um policial onde estaria acontecendo o evento, foi identificada (eles tinham uma foto dela), algemada, colocada em um carro (por uma hora), levada para a delegacia (ficou quatro horas lá) até conseguir dar um telefonema e ser liberada.
O jornal reclamou, embaixada e consulado foram acionados. Yale respondeu, dizendo que houve "invasão de propriedade privada", Barbosa disse que só ficou sabendo no sábado do ocorrido (na quinta).
Os depoimentos, acusações e explicações são contraditórios. É pouco para afirmar alguma coisa. De concreto até agora temos uma situação em que, aparentemente, houve impedimento de exercício da profissão, excesso de reação, arbitrariedade e a participação ainda por se explicar do magistrado brasileiro.
Mas isto não é suficiente para concluir e afirmar que se trata de um caso de preconceito contra estrangeiros. Tornar um episódio que pode ser muito mais amplo e complexo em um caso exclusivo de xenofobia talvez seja muito mais interessante para os transgressores do que para os transgredidos.

Um comentário:

  1. Fiquei dividido entre as razões que você coloca na tentativa de entender o incidente para além de fórmulas prontas e genericamente reproduzidas (atitude, aliás, que se pode entender quando toca os brasileiros, terra onde fervilha de gente contra preconceitos ou adepta) e a possibilidade de ampliar a visão. Suas ideias possuem força persuasiva, mas o que poderei acrescentar? Ocorre que o ser humano tem necessidade de simplificar as coisas no afã de entender; é possível que Laurentino tenha: 1) elaborado uma resposta improvisada a partir das próprias crenças que os brasileiros têm acerca dos EUA - um país que vivenciou o "11 de setembro" e incrementa seus cuidados em relação a estrangeiros - de que sejam racistas, preconceituosos e arqui-inimigos do movimento imigratório por excelência; 2) o jornalista pode ter se embasado na ambiência de seu país de origem, que, pelas razões supraditas, reiteradamente reproduz toda sorte de preconceitos uns para com os outros de forma desenfreada todos os dias. O reducionismo de um jornalista, acostumado a insights, embaça a visão sobre o fato, que pode não ter sido como se quer fazer pensar, mas, por outro lado, não vela de todo a questão do porquê de se ter agido assim. Muito bom o seu texto!

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