12 de junho de 2013

A LÓGICA DO AMOR ROMÂNTICO

Doze de junho é a data  conhecida como Dia dos Namorados - junto com o Dia das Mães é a que mais lucro gera para o comércio. Véspera do dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro, a data foi provavelmente introduzida no Brasil por João Dória (publicitário baiano), em 1949, para atender aos interesses de uma loja de departamento paulista.
Se pensarmos como a lógica da sociedade capitalista pode ser aplicada a este dia para ajudar a entender sua dimensão racional, a coisa fica assim: o romantismo (entendido como manifestação estética e ideológica própria da burguesia) faz com a relação amorosa o mesmo que faz com outros elementos, como a pátria, a sociedade, o povo etc., isto é, a visão romântica idealiza estes elementos. Idealizar é conferir perfeição, pureza, heroísmo, gigantismo, transcendência a coisas que são simplesmente naturais ou humanas, ou seja, coisas que são imperfeitas, impuras, medíocres, miúdas, telúricas (e isto não é defeito, apenas é assim que as coisas são, sem o cosmético da fantasia). 
O amor idealizado estabelece limites inatingíveis e irreais: duração eterna, harmonia plena, fidelidade até no pensamento, sorrisos 24 horas, tudo didaticamente concentrado na fórmula dos contos de fada (aburguesados): "... e viveram felizes para sempre".

Não por acaso, esta sociedade é congenitamente neurótica, uma vez que viver impondo a si e aos demais a busca por objetivos impossíveis de se atingir só pode gerar frustração, decepção e psicopatias de todo tipo (ainda bem que tem o psicólogo e a farmácia da esquina para aliviar).

Comércio e propriedade individual. Estes dois elementos são fundamentais na distinção entre a sociedade burguesa e a, digamos, "feudal" (medieval) que antecedeu aquela. 
Do ponto de vista comercial, o "Dia dos Namorados" é uma bem bolada estratégia de marketing, que cria no árido mês de junho um motivo tentador para consumir (e gastar muito, porque a compra passional é impulsiva e agradar o ser amado não tem preço, mas pode ser dividido em  12 vezes).
Uma outra marca distintiva da sociedade burguesa é a importância que esta dá para a propriedade privada e sua consequência direta, o individualismo. O desenvolvimento (ou construção, como dizem certos estudiosos) do sentimento de individualidade, está na raiz do famoso egocentrismo romântico tão caro aos poetas do século XIX. Na visão deles, o mundo e suas contingências todas são menos importantes do que o estado de espírito do ser poético, este sim o centro em torno do qual todo o universo gira. (Lembrando: o homem "comum" do período feudal não se via como plenamente distinto do corpo social, mas como um elo da corrente comunitária formada por sua aldeia, sua vila, sua região) 
Uma concepção de amor que considere como centro do fenômeno amoroso não o  indivíduo, mas a coletividade, tenderia a conceber o amor como o sentimento de "querer bem ao(s) outro(s) e às coisas ao seu redor". Amar, nessa perspectiva, seria desejar que o(s) próximo(s) faça e consiga o que quiser, o que lhe faz bem, o que lhe deixa mais feliz. Isto não quer dizer anular-se, mas compreender que relacionamento é um diálogo e um jogo feito de mútuas concessões, uma experiência feita de aproximações e afastamentos, de trocas que não necessitam de equanimidade, pois não são negócios, mas a natural manifestação de sentimentos.  Praticar o amor seria então esforçar-se por auxiliar o outro a alcançar o que ele necessita para ser feliz. Nada mais contrário ao sentimento amoroso burguês do que isso.

O amor burguês é justamente o contrário, uma vez que sua egolatria faz com que o objeto do amor seja o próprio sujeito que ama. Nesta lógica, não é o outro a que se deve agradar, mas a si. O propalado sentimento de "ciúmes" (do qual muitos se orgulham em ter e praticar, como prova cabal de seu profundo amor) nada mais é do que o sentimento de propriedade privada aplicada à relação entre casais. Se eu quero o bem do outro, preciso fazer concessões, preciso entender que eu não tenho como saciar todas as possibilidades de felicidade dele . Mas no "amor romântico", se o que importa é o "eu", então amar significa tornar o outro sua propriedade, seu produto, sua mercadoria. Significa exigir e chantagear o outro (presentes são ótimos para isso) para que ele não pratique o que o torna feliz e ter que ficar ao seu lado para "provar" (concretamente) seu sentimento (algo nada concreto). Alguns chamariam isso de materialismo vulgar. 
Uma característica desse tipo tão peculiar (e historicamente recente) de amor é seu "platonismo" (embora o termo remeta ao mundo grego antigo, na Grécia de Platão o amor "platônico" era de outra ordem). O amor "platônico" não é o amor não declarado, como muitos pensam, mas o amor idealizado (o mundo inalcançável das ideias perfeitas em oposição ao mundo das realidades imperfeitas é a base da filosofia de Platão). É este revestimento que faz com que o sujeito romântico "ame" o outro sem que o outro saiba. O outro, no caso, idealizado pelo sujeito que ama, é perfeito, quase divino. Este sentimento de querer possuir o outro talvez não devesse ser chamado exatamente de amor, mas de desejo. 
O problema é que, se a relação se consumar, isto é, se o ideal virar real, o perfeito se revela e se desnuda com todas as suas precariedades inevitavelmente humanas. A mulher ideal não tem olheiras, não demora a se arrumar, não gosta de falar do ator "lindo" da novela, não vai ao banheiro com a amiga e volta com aquela cara tão... (o que será que elas conversaram?) 
O amor platônico prefere desejar o outro a consumar o ato amoroso desmitificador. Daí dizer que o amor romântico privilegia muito mais o sentimento que o indivíduo tem (o desejo que ele sente) do que a vontade altruísta de tornar o outro feliz. Na lógica egocêntrica típica da sociedade burguesa, amar é fazer do outro um objeto para satisfação pessoal.

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